sábado, 15 de dezembro de 2018

O mal triunfa quando os bons se omitem!

Por Edson Travassos Vidigal* 

Meu avô sempre me dizia que a política não era lugar pra gente séria.

Na época, com 17 anos, eu fazia parte da juventude do PSDB do Maranhão, a qual tinha ajudado a fundar, junto com meus amigos Frankstone Spíndola e Everton Pacheco, idealistas que acreditavam que podiam fazer a diferença e transformar a política do Maranhão em coisa séria. 

Me dividia entre o estudo e nossas atividades políticas, que consistiam em ações diversas, dentre as quais, participar de reuniões nacionais do Conselho Nacional de Política da Juventude do PSDB, que, democraticamente, realizavam-se em rodízio pelas capitais brasileiras.

Era difícil arranjar tempo e dinheiro para participar destas reuniões. Normalmente tirávamos do bolso e conseguíamos alguns trocados com alguns políticos do partido para pagar as passagens de ônibus mais baratas para ficarmos às vezes 3 dias viajando até nosso destino. Comíamos quase que literalmente o pão que o diabo amassou. Lembro-me que uma vez rasguei minha gengiva mastigando uma farinha que comi na estrada e estava com um pedaço de osso quebrado no meio. E poderíamos nos perguntar: Por que tanto sacrifício?

Porque quando lá chegávamos, encontrávamos com pessoas iguais a nós, dos mais variados lugares do país. Pessoas que, como nós, arriscavam tudo para lá estar, discutindo temáticas políticas, administrativas, projetos, planos, teses, doutrinas, se empenhando em ser o melhor possível. Pessoas que estudavam ciência política, direito, administração, economia, história, sociologia, geografia, lutando por um ideal.

E éramos como uma família, que se encontrava periodicamente, tendo como laços de sangue o desejo de participar de mudanças, de contribuir com idéias, planos e projetos para o desenvolvimento do país, para a resolução dos inúmeros problemas sociais. 

Claro que, como em todo lugar, tinham aqueles que lá estavam com objetivos outros, menos honrados. Os fisiologistas, os aproveitadores de plantão, os politiqueiros profissionais, aqueles que, já velhos, ainda eram pagos para permanecerem nas juventudes das faculdades, das escolas, dos partidos, como sempre existiram, e existem até hoje, para garantirem a preservação e continuação da velha política. Porém, eles eram minoria. E a muito custo, conseguíamos mantê-los sob controle.

Ocorre que um dia fomos convocados para a Convenção Geral do Partido, que se deu em São Paulo. E lá fomos como delegados nacionais do partido. Um circo enorme, onde, mal sabíamos nós, seríamos os palhaços. A Assembleia Geral  decidiu lançar candidatura própria para as eleições presidenciais que viriam (era o ano de 1993). Nosso candidato seria FHC. Foi decidido que seria chapa "puro sangue", ou, se necessário, haveria uma coligação com algum partido que tivesse identidade programática conosco, e à época tal partido era o PT (pasmem!!!), pois o PSDB era um partido de centro-esquerda. Ao final do dia, foi isso que restou decidido pela Assembléia composta pelos representantes legítimos de todos os estados.

No entanto, no calar da noite, em Brasília, alguns caciques do partido resolveram passar por cima de todos os ideais partidários e de toda a Assembléia Geral, e optaram por se coligar ao PFL (do todo poderoso ACM), partido o qual a grande maioria do PSDB nunca engoliria à época.

Nossa decepção foi imensa. E muitos quadros excelentes do partido debandaram pra outras siglas partidárias ou mesmo deixaram a política. Nossa juventude perdeu quase todos aqueles que lutavam sinceramente por um ideal. Foi triste ver pessoas geniais desistindo de suas vocações, largando o partido à sorte daqueles que passamos tanto tempo refreando.

No fim deu no que deu. O partido foi tomado por fisiologistas, interesseiros, aproveitadores, oportunistas, afundou vertiginosamente no decorrer das últimas décadas, e hoje não é mais nem uma sombra da grandiosidade que foi ao nascer, com a nata da política nacional. E isso me faz lembrar de uma máxima estampada no Blog de meu pai: “O mal triunfa quando os bons se omitem.”

A excelente juventude do partido desmoronou. E vários que poderiam agora estar ocupando lugares de destaque na política nacional, guiando com competência e honestidade os rumos de nossa nação, simplesmente seguiram outras vidas, deixando vago o seu espaço para outros despreparados e mal intencionados ocuparem.

Eu me considero um desses. Um dos desistentes. Um dos que abandonou à época sua vocação por nojo do que estava acontecendo, por vergonha de participar daquilo, por medo de se tornar um deles. Só me lembrava de meu avô, que tinha por tantas vezes me dito que política não era lugar de gente séria. 

E desse ponto em diante passei um bom tempo fugindo. Tentando encontrar algum lugar onde não existissem mal-caráteres, onde não existissem bandidos, cretinos, falsos, onde existissem apenas pessoas sérias. 

E sabem o que eu descobri? Que simplesmente esse lugar não existe. Que não podemos apenas fugir. Pois aonde quer que formos, sempre existirão aqueles que tornarão sua vida um inferno. Sempre existirão os bandidos que lhe roubarão a paz, que lhe roubarão a justiça, que lhe roubarão seus ideais, sua vontade, sua vida e, o pior de tudo, lhe roubarão sua dignidade. 

E em um momento eu cansei de fugir. Cansei de tentar fazer a minha parte apenas em relação à minha família. Não posso colocá-la dentro de uma espaçonave e levá-la a outro universo mais sério, mais honesto, mais probo. Não posso protegê-la o tempo todo de todo o mal que nos cerca. Tentei e ainda tento fazer a minha parte em relação a todos ao meu redor para buscar um mundo melhor para mim, para meus filhos, para todos aqueles que buscam o mesmo. Mas já faz tempo que sei que isso não é suficiente.

Ainda hoje escuto de meu pai: "Meu filho, a política não é lugar pra gente séria". Sei bem tudo o que ele já enfrentou na política lutando pelo que acreditava. E que ele tenta me resguardar da mesma sina. 

Mas sei também, hoje mais que nunca, o que ele já sabia muito bem desde antes de eu nascer:

Que o mal triunfa quando os bons se omitem!


* Edson José Travassos Vidigal é advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF e da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-SP. Professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todos os domingos.

sábado, 22 de setembro de 2018

COMO ELEGEMOS NOSSOS DEPUTADOS FEDERAIS, DEPUTADOS ESTADUAIS E VEREADORES? ENTENDA O SISTEMA ELEITORAL PROPORCIONAL.

Por Edson Travassos Vidigal

Semana passada explicamos como funciona o Sistema MAJORITÁRIO. Esta semana falaremos do sistema PROPORCIONAL, adotado atualmente em nosso país para as eleições dos parlamentares nas três esferas de poder: (1) federal – os deputados federais, (2) Estadual – os deputados estaduais, e (3) municipal – os vereadores.

Trata-se de sistema bem mais complexo e complicado, tanto de se entender, quanto de se pôr em prática. Ainda, faz-se necessário entender o porquê de sua existência, para que se compreenda como funcionam seus mecanismos.

O sistema PROPORCIONAL surge para tentar resolver um problema que o sistema MAJORITÁRIO não resolve: a representação das minorias políticas, as agremiações políticas que não fazem parte do poder hegemônico, que representam oposição a este, ou representam ideologias ou questões políticas específicas (como o interesse ambiental, ou o interesse dos aposentados, ou os interesses dos trabalhadores etc.).

No sistema MAJORITÁRIO, apenas aquele que conta com a maioria dos votos se elege. A parte da população que não faz parte dessa maioria fica sem representação, sem voz política. Para a função executiva não existe outra opção, posto que existe apenas um cargo a ser disputado, e ele só pode ser preenchido por quem de fato representa a maioria, tendo a minoria que se conformar até as próximas eleições e, até lá, cumprir com o seu papel democrático de fiscalização do governo, e cobrança sobre o desempenho de suas funções.

Ao contrário da função executiva, a legislativa é exercida com a eleição de um colégio de representantes do povo. E dentro do objetivo democrático, é absolutamente necessária a existência de um real PLURALISMO POLÍTICO, uma variedade de representações diversas, que sejam capazes de oferecer verdadeira oposição ao poder instituído, que garanta óbices a abusos e omissões.

Além disso, o PLURALISMO POLÍTICO é reflexo e garantia do PLURALISMO SOCIAL, que se constitui na garantia de existência de opções reais de se realizar a dignidade da pessoa humana a partir do respeito às individualidades, gostos, credos, crenças, buscas e características de cada um dos indivíduos. Assim, opções religiosas, sexuais, artísticas, políticas, ideológicas de qualquer natureza, bem como características individuais físicas ou psicológicas de todos devem ser respeitadas e garantidas no seio da sociedade democrática.

Não existe forma de se garantir o PLURALISMO SOCIAL sem que se garanta o PLURALISMO POLÍTICO – a representação política de todas as ideologias, todos os credos, todos os interesses de todos os indivíduos, que coexistem no mesmo espaço físico, social e político, que antagonizam opiniões e buscas, mas que dependem uns dos outros, enquanto cidadãos, para sobreviverem e tentarem construir o que desejam para suas vidas.

Diante disso, faz-se necessário um sistema eleitoral que garanta essa representação plural nos parlamentos, que garanta um mínimo de representação das minorias políticas na “boa guerra” que é a democracia representativa. Daí nasce o sistema PROPORCIONAL, que visa garantir essa proporcionalidade na representação.

Existem algumas modalidades diferentes desse sistema, como a com voto em lista fechada e a com voto em lista aberta. Atualmente o Brasil adota o sistema PROPORCIONAL com voto em lista ABERTA. Esse sistema funciona em 3 momentos:

PRIMEIRO MOMENTO- OBTENÇÃO DO QUOCIENTE ELEITORAL (o número de votos necessário para se preencher cada vaga na Casa Parlamentar): (1) identifica-se o número de vagas a serem preenchidas na Casa Legislativa específica; (2) identifica-se o total de votos válidos recebidos pela urna (excluídos os brancos e nulos); (3) divide-se o segundo resultado pelo primeiro. Exemplo: Existem 42 vagas de deputado estadual no Maranhão, e apuradas as urnas, houve 840 mil votos válidos. Divide-se 840 mil por 42 e então sabemos que o quociente eleitoral, ou seja, o número de votos necessários para preencher uma cadeira de deputado estadual no Maranhão, é de 20 mil votos. A cada 20 mil votos que o partido conquiste, a partir do somatório de todos os seus candidatos, ele tem direito a ocupar uma vaga.

SEGUNDO MOMENTO- QUOCIENTE PARTIDÁRIO (o número de vagas que cada partido terá direito): Divide-se o quociente eleitoral pelo número de votos que o partido obteve a partir da soma dos votos de todos os seus candidatos. Exemplo: o PQP teve, no Maranhão, 60 mil e quinhentos votos, somando a votação de todos os seus candidatos. Divide-se 60,5 mil por 20 mil (o quociente eleitoral desse estado) e se tem como resultado 3 vagas que o PQP terá direito a ocupar naquela Assembleia Legislativa.


TERCEIRO MOMENTO- DISTRIBUIÇÃO DAS VAGAS AOS CANDIDATOS: (1) Ordena-se uma lista dos candidatos de cada partido onde o primeiro é o mais votado, e o último é o menos votado; (2) verifica-se quantas vagas cada partido alcançou o direito de preencher; (3) distribui-se às vagas aos candidatos mais votados de cada partido, respectivamente. Exemplo: o PQP teve direito a 3 vagas. Os 3 candidatos mais votados do PQP serão eleitos deputados estaduais do Maranhão.

COMO SÃO ELEITOS OS PRESIDENTES, GOVERNADORES, PREFEITOS E SENADORES EM NOSSO PAÍS? ENTENDA O TAL DO SISTEMA ELEITORAL MAJORITÁRIO!

Por Edson Travassos Vidigal

Dá-se o nome de sistemas eleitorais às formas pelas quais se computam os votos dados pelos cidadãos nas eleições, convertendo-os em mandatos políticos. Existem muitas formas, consolidadas mundialmente, de realizar esse cômputo, a partir de critérios relacionados aos objetivos que se pretende alcançar com as eleições.
O sistema eleitoral mais fácil, tanto de ser compreendido, quanto de ser efetivado, é o chamado “sistema majoritário”. De prática muito simples, tanto para os eleitores, quanto para sua realização, consiste em, após a contagem de votos, eleger o candidato mais votado, ou seja, aquele que tem a maioria dos votos (por isso o nome majoritário).
Este sistema pode exigir a maioria absoluta para a eleição do candidato, ou a maioria simples. Ou ser um misto, exigindo em um primeiro momento a maioria absoluta, e em um segundo momento, a maioria simples, caso não se alcance a maioria absoluta na primeira “rodada” das eleições.
Assim é que acontece no Brasil, por exemplo, nas eleições para Presidente da República, governadores e prefeitos. A votação é nominal (vota-se no nome de um candidato), em dois turnos. No primeiro turno, caso algum dos candidatos alcance a maioria absoluta (50% mais um voto) dos votos válidos (os votos recebidos pela urna, excluídos os brancos e os nulos), este candidato será automaticamente considerado eleito. Caso nenhum candidato consiga obter a maioria absoluta dos votos no primeiro turno, então os dois candidatos mais votados seguem para um segundo turno de votação, onde aquele que obtiver a maioria simples (o percentual de votos maior do que o do oponente, independente de qualquer mínimo estipulado) dos votos válidos é considerado eleito.
O Brasil se utiliza, para o preenchimento dos cargos políticos do Executivo (presidente, governadores e prefeitos) o sistema eleitoral majoritário com votação nominal em dois turnos, à exceção dos municípios com menos de 200 mil habitantes, onde não há a exigência de maioria absoluta para a eleição de seus prefeitos, e portanto não há segundo turno. Em tais municípios, o candidato que obtiver no primeiro turno a maioria dos votos válidos, seja a quantidade que for, já é considerado eleito.
No Brasil também se utiliza o sistema majoritário para a eleição dos Senadores da República, com votação nominal, em apenas um turno.
Com mandatos de 8 anos de duração, poucos sabem, mas os senadores não são representantes da população. Eles são representantes de cada Estado brasileiro junto à Federação dos Estados brasileiros (a chamada "União"). Pode não parecer, nem fazer muito sentido, mas nosso país é uma federação, ou seja, uma associação de Estados autônomos e independentes entre si, em um único ente soberano, que é a federação.
O Senado da República é o órgão que justamente reúne os representantes de cada Estado para tomar as decisões em nome da federação. Assim, o número de senadores é fixo – três por Estado, ao contrário do número de deputados federais, que é proporcional à quantidade de habitantes de cada Estado. Isso porque, enquanto os deputados são representantes do povo, os senadores são representantes dos Estados, enquanto entes da federação brasileira.
E é justamente por isso, que o sistema eleitoral adotado para a eleição dos senadores é o majoritário. Pois eles representam o Estado Todo, assim como os prefeitos representam todo o município, os governadores representam todo o Estado, e o Presidente da República representa todo o país. Quando um senador fala, ou vota, ele o faz em nome do Estado inteiro, e não apenas em nome de seus eleitores. Quando um prefeito age, ele age em nome de todo o município, e não apenas em nome de seus eleitores.
Daí a necessidade de que tais representantes tenham a maioria absoluta dos votos, para que tenham representatividade mínima, legitimidade mínima para falar e agir em nome de todos. Não poderia ser de outra forma, pois existe apenas um cargo executivo a ser preenchido em cada esfera da Administração Pública, então não vejo como poderia se eleger tal representante de outra forma diferente da que utiliza o critério da maioria dos votos.
O mesmo não se dá em relação aos vereadores, deputados estaduais e deputados federais. Cada um deles não representa o todo, mas apenas partes. Cada um dos parlamentares é eleito por uma fração dos eleitores, e representa esta fração juntos aos demais parlamentares nas casas legislativas. Daí a necessidade da utilização de um sistema eleitoral diferente, mais adequado a essa peculiaridade.
A opção alternativa para a eleição dos cargos do legislativo, em nosso país, atualmente é o sistema PROPORCIONAL, que explicaremos semana que vem.

sábado, 11 de novembro de 2017

Uma pequena reflexão sobre o amor:

Não existe sofrimento vindo do amor. Não se sofre amando. O amor só traz felicidade, nunca traz dor. A dor e o sofrimento vêm do medo e não do amor.

Quem acha que está amando porque está sofrendo está equivocado. Não está amando, está vivendo medos, frustraçöes, ansiedades, inseguranças, e outras emoções nocivas que, nem de longe, podem ter qualquer relação com o amor.

Quando se ama de verdade, não se sofre. Só se fica feliz, só encontramos paz. E isso independe de compromisso, de reciprocidade, ou mesmo da pessoa que se ama.

Agora, ficar esperando algo, criar expectativas, ter medo de que aconteçam coisas que não se quer, ou que não aconteçam coisas que se quer... Isso não faz parte do amar, não tem nada a ver com o amor. E só faz mal. A quem ama, e a quem se ama.

Tais pensamentos só levam a cobranças, acusações, agressões e tristeza para todos. Só nos levam para bem distantes do amor.

Então o grande salto para a felicidade e a paz advindos de se viver de verdade um amor em sua plenitude é separar o joio do trigo. Perceber o que é amor e o que é apenas medo. E se policiar pra quando pensamentos estranhos ao amor surgirem, pinça-los de nossas mentes (eles vivem em nossas mentes e não em nossos corações), e deixá-los seguir distantes pra longe de nós.

sábado, 21 de outubro de 2017

Ternura (para Virgínia)

Por Edson Travassos Vidigal


No branco se instala um verde que dança, ternura criança que indiscreta se lança em meu rosto, em meu ser. Atrás um "desfaz-se" que ostenta o disfarce do dia perfeito que teimou em morrer. À frente o poente que distante se sente bem antes que a gente possa mesmo conter. No meio um espaço, gigante, constante, por vezes cortante, que sempre a um passo,  reluta em nascer...

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O que temos a comemorar nesse dia do advogado?

Por Edson Vidigal

 
“A segurança jurídica é a espinha dorsal da sociedade. Sem ela, há sobressaltos, solavancos, intranquilidade maior. O regime democrático a pressupõe. A paz social respalda-se na confiança mútua e, mais do que isso – em proveito de todos, do bem comum –, no respeito a direitos e obrigações estabelecidos, não se mostrando consentâneo com a vida gregária, com o convívio civilizado, ignorar o pacto social, fazendo-o a partir do critério de plantão”.
 
Essas brilhantes, perfeitas, e necessárias palavras foram ditas pelo ministro Marco Aurélio (STF)´, ano passado, quando esteve na Universidade de Coimbra para uma homenagem ao professor Canotilho. Marco Aurélio frisou na ocasião que o Brasil passa por uma perda de princípios e uma perigosa inversão de valores em meio a crises econômicas, financeiras e políticas. Que o Judiciário não pode ficar alheio a isso e que é necessário que haja proteção à coisa julgada e à previsibilidade da Justiça.
 
Outro ponto importante de seu pronunciamento, que registramos aqui, é seu entendimento contrário à tal das modulações das decisões e à flexibilização da higidez do texto constitucional, que, segundo ele (e eu assino embaixo), estimulam a edição de normas inconstitucionais, bem como o descumprimento da Constituição.
 
As palavras de Marco Aurélio, a meu ver, representam o anseio dos brasileiros, e sobretudo dos que militam diariamente nos tribunais em defesa dos indivíduos - os advogados, que lutam por decisões judiciais mais coerentes, mais estáveis, mais técnicas, mais responsáveis. Decisões mais comprometidas com a segurança jurídica e com a responsabilidade do poder judiciário para com o pacto social. Para com os direitos e garantias fundamentais que foram conquistadas com muita luta e muito sangue derramado pelos indivíduos na tentativa de se proteger dos abusos de seus governantes.
 
E uma Constituição deve ser isso: uma garantia dos indivíduos contra os abusos de seus governantes. Daí o papel chamado de contra-majoritário de nossa Suprema Corte. O judiciário não pode surfar nas ondas dos interesses politiqueiros de governos, de agentes políticos e grupos econômicos. Ao contrário, deve, a despeito das disputas de poder entre facções políticas, proteger a segurança jurídica, a estabilidade do Estado. Assegurar o cumprimento do pacto social, e da garantia de uma prestação jurisdicional correta, segura, previsível, a partir da qual os cidadãos possam confiar no Estado e, assim, que a paz social seja mantida.
 
Atualmente vivemos um enfraquecimento de nosso Constitucionalismo. Nós, cidadãos, perdemos a cada dia mais espaço para os grupos políticos e o poder econômico, que estão ditando, como bem disse o ministro Marco Aurélio, os “critérios de plantão” para as resoluções das lides judiciais.
 
Sob a desculpa de que o positivismo jurídico não foi capaz de resolver os problemas sociais, cresce a cada dia uma postura arbitrária e perigosa em parte do nosso judiciário. Decisões estão sendo tomadas ao gosto do juiz, sem a devida fundamentação legal. Muitas até a despeito da lei, ou mesmo contrarias a esta. Ao invés de se buscar a decisão a partir do estudo dos argumentos apresentados e do ordenamento jurídico, muitos estão “escolhendo” suas decisões a partir de um subjetivismo por vezes inocente, e por vezes criminoso.
 
Quem é advogado sabe que muitas vezes a impressão que se tem é que se está falando com as paredes, pois nossos argumentos são solenemente ignorados. Embargos de declaração, instrumento jurídico que serviria justamente para impedir arbitrariedades nas decisões por meio de se buscar o saneamento de dúvidas, contradições e obscuridades, estão servindo absolutamente para nada, pois a resposta muitas vezes parece ser automática, sendo dada simplesmente a partir de dois comandos: “control+C” e “control+V”.
 
Faz-se necessário que esta parte confusa de nosso judiciário volte a entender que é a função jurisdicional é antes de tudo técnica. Que nos mecanismos de um Estado Democrático de direito, é essencial que exista um órgão técnico, imparcial, que modere o necessário embate entre Legislativo e Executivo, a fim de salvaguardar os indivíduos dos estilhaços dessa guerra.
 
A instabilidade política do Executivo e do Legislativo é mecanismo necessário da democracia. Por outro lado, cabe ao Judiciário ser estável, a partir da coerência com o ordenamento jurídico, e principalmente a partir da defesa desse ordenamento e da Constituição. Esse é seu papel democrático. Só assim pode-se manter o pacto social. Só assim os indivíduos podem acreditar que é o melhor para eles seguirem as leis, e as decisões judiciais, ao invés de quererem fazer justiça com suas próprias mãos.
 
Se ultimamente os desrespeitos, desmandos e demais atitudes abusivas, ilegais e arbitrárias estão na moda, e crescendo a cada dia, é porque a população está, por um lado, descrente na confiabilidade, imparcialidade, justiça e segurança da prestação jurisdicional do Estado; e por outro, porque está seguindo o exemplo de  parte de nosso judiciário, que em muitos casos tem adotado a mesma postura que os linchadores de plantão, fazendo a sua própria justiça, de forma ilegal, arbitrária e abusiva, com suas próprias mãos.
 
Deixo aqui, como advogado, em nosso dia comemorativo, um apelo aos bons magistrados, que não são poucos, para que reflitam sobre as palavras de nosso ministro Marco Aurélio, e lutem para evitar o pior. A credibilidade do Estado Democrático de Direito depende da segurança jurídica da prestação jurisdicional. A segurança da sociedade, a paz social, depende da credibilidade de nossas instituições democráticas. Pensem nisso.
 
Deixo também o registro de minha admiração e respeito aos colegas advogados, que seguem com dignidade a sua profissão, a sua missão, que, quase um sacerdócio, é pilar fundamental da possibilidade de existência de um Estado de Direito.
 
Um grande abraço a todos os colegas. Meus parabéns por mais esse dia.

Edson José Travassos Vidigal
OAB DF 42228
OAB SP 373680
OAB MA 14624-A

domingo, 14 de maio de 2017

Como prenderam Al Capone

Por Edson Travassos Vidigal


Existem pessoas que entram para a história não por seus feitos heróicos, por sua contribuição à humanidade, por suas qualidades ou por seu exemplo, mas sim, ao contrário, por sua enorme capacidade inata para o mau.  

Há pessoas que imortalizam seus nomes por terem realizado atrocidades nunca antes feitas na história de algum país. Por sua genialidade criminosa, pela capacidade extrema de mentir, de inventar, de enganar por vezes milhares, milhões ou até bilhões de pessoas. Por sua completa falta de freios, de escrúpulos, de pudor. Por sua tendência megalomaníaca para o auto-endeusamento, por sua doentia certeza de estar acima do bem e do mal, acima da lei, acima dos homens, das instituições, do direito, da justiça, do poder.

São pessoas que se orgulham das mentiras que contam, que se orgulham de sua capacidade de enganar, que são irônicos ante suas mentiras e agressivos ante as reais verdades. 

Pessoas capazes até mesmo de encriminar os amigos, os familiares, ou até a própria esposa, na tentativa de escapar das devidas punições aos absurdos crimes que cometeram em seus projetos psicopatas de poder pessoal.

Uma dessas notórias enfermidades sociais foi Alphonse Gabriel Capone, mais conhecido mundialmente como Al Capone (ou apenas “Al” para os íntimos). 

Al Capone foi, sem dúvida, o maior gângster da história dos EUA. E como tal, teve sua história contada no cinema (em versões que, claro, sempre romantizam a realidade).
Nasceu pobre, filho de imigrantes, e cedo abandonou os estudos, por não se ajustar às regras e querer sempre impor sua vontade aos demais, já demonstrando seu lado infantil autoritário e psicopata.

Chegando à cidade grande, no início de sua “carreira”, sofreu um “acidente” no trabalho que lhe rendeu uma deformidade física que o marcou pelo resto de sua vida como uma característica notória que o particularizava (o “acidente” foi uma briga que teve no bar onde fazia bico e era protegido do dono - um mafiosos chamado Frankie Yale. Capone insultou uma mulher de um mafioso chamado Frank Gallucio e ganhou uma cicratriz no rosto, que lhe rendeu o apelido de “scarface”).

Em pouco tempo, ainda jovem, foi aos poucos assumindo a liderança das quadrilhas das quais fazia parte, até que alcançou a chefia de sua organização criminosa, que se dedicava à exploração de atividades ilícitas, sempre acobertadas por meio da corrupção de políticos, juízes, servidores públicos, policiais, empresários etc.

Mostrou-se sempre um homem frio e sem escrúpulos. Enriqueceu rapidamente graças à sua vasta rede clandestina de tráfico ilegal e demais negócios escusos, até chegar ao reconhecimento internacional, tendo sido nomeado mundialmente ao lado das mais importantes personalidades de seu tempo, tais como mentes brilhantes e políticos ativistas ganhadores do prêmio nobel. Ele era “o cara”!

Por ser altamente promíscuo, acabou por contrair uma doença seríssima, que deixou nele fortes sequelas.

Aos poucos foi se tornando um dos criminosos mais procurados do país, a  partir de diversas citações em escândalos que foram aparecendo, principalmente por conta de investigações conduzidas por uma equipe lendária de agentes do Governo americano apelidada de “Os intocáveis”, capitaneada pelo agente Eliot Ness. 

O apelido da equipe se deu por conta das inúmeras tentativas infrutíferas de suborno feitas aos agentes por investigados e envolvidos nos infindáveis crimes que foram sendo descobertos. Os Intocáveis não abaixavam a cabeça nem mesmo para as diversas pressões que lhes eram impostas diariamente por políticos e magistrados corruptos que faziam parte dos esquemas do famigerado gângster.

Al Capone esteve envolvido em centenas de crimes brutais, e escapou inúmeras vezes de ser condenado por seus crimes, sempre acobertado por subordinados que assumiam os atos de seu chefe e mentor (que nunca tinha nem ao menos o conhecimento  de nada que lhe era imputado) e, a seu mando,  davam sumiço em todas as provas que pudessem incriminá-lo.

Depois de anos de infrutíferas investigações, sem que pudessem encontrar meios para condená-lo, ante a imensa dificuldade em encontrar as provas de seus crimes, finalmente veio a idéia brilhante: Diante de centenas de crimes brutais que Al Capone conseguiu se livrar da autoria mediante geniais artifícios, ele se descuidou de algo menor, talvez porque, em sua megalomania e psicopatia de sempre achar que era “intocável” pela lei, não tenha visto nenhum risco naquilo.

Finalmente foi encriminado, condenado e preso por conta de um triplex no Guarujá. Ops! Quer dizer, na verdade foi por conta de sonegação fiscal, em 1931. Os contadores sempre foram o maior problema dos bandidos, não é mesmo? Já diria o “Setor de Operações estruturadas” da Odebrecht...