Na época, com 17 anos, eu fazia parte da juventude do PSDB do
Maranhão, a qual tinha ajudado a organizar, junto com meus amigos Frankstone Spíndola
e Everton Pacheco. Dois idealistas que acreditavam que podiam fazer a diferença
e transformar a política do Maranhão em coisa séria. Me dividia entre o curso
pré-vestibular, o curso técnico em contabilidade, o taekwondo e nossas atividades
políticas.
Tais atividades políticas consistiam em ações diversas, tais como elaborar
um estatuto da juventude do PSDB do Maranhão; reunir-nos periodicamente para
discutir sobre temas relevantes à política, como formas de governo, formas de
Estado, formas de sufrágio, voto facultativo etc.; rodar o interior do Estado
proferindo palestras sobre a social democracia, o parlamentarismo e outras
bandeiras ideológicas por nós defendidas à época; discutir sobre a situação
política maranhense e as perspectivas de mudanças do que acreditávamos estar
errado; e, dentre tantas outras atividades, participar de reuniões nacionais do
Conselho Político da Juventude do PSDB, que, democraticamente, realizavam-se em
rodízio pelas capitais brasileiras.
Era difícil arranjar tempo e dinheiro para participar destas
reuniões. Normalmente tirávamos do bolso e conseguíamos alguns trocados com
alguns políticos do partido para pagar a passagem de ônibus mais barata
(normalmente na empresa transbrasiliana, lembro-me bem) para ficarmos às vezes
3 dias viajando até nosso destino, que muitas vezes era Brasília, São Paulo,
Belo Horizonte, Rio de Janeiro, e, me lembro, uma vez Teresina.
Comíamos quase que literalmente o pão que o diabo amassou. Lembro-me
que uma vez rasguei minha gengiva mastigando uma farinha que comi na estrada e estava
com um pedaço de osso quebrado no meio.
Todo o dinheiro que conseguíamos com muito custo era utilizado para
bancar tais aventuras políticas ideológicas.
E poderíamos nos perguntar: Pra quê tanto sacrifício?
Porque quando lá chegávamos, encontrávamos com pessoas iguais a nós,
dos mais variados lugares do país. Pessoas que, como nós, arriscavam tudo para
lá estar, discutindo temáticas políticas, administrativas, projetos, planos,
teses, doutrinas. Pessoas que se empenhavam em ser o melhor possível. Que
estudavam ciência política, direito, administração, economia, história, sociologia,
geografia. Pessoas que liam todos os jornais sempre, que participavam de
discussões ferrenhas dentro e fora do partido.
Pessoas que lutavam por um
ideal.
E éramos como uma família, que se encontrava periodicamente, tendo
como laços de sangue o desejo de participar de mudanças, de contribuir com
idéias, planos e projetos para o desenvolvimento do país, para a resolução de
muitos problemas sociais.
Claro que, como em todo lugar, tinham aqueles que lá estavam com
objetivos outros, menos honrados. Tinham os fisiologistas, os aproveitadores de
plantão, os politiqueiros profissionais, aqueles que, já velhos, ainda eram
pagos para ficar na juventude das faculdades, das escolas, dos partidos, como
sempre existiram, e existem até hoje.
Porém, eles eram minoria. E, a muito custo, conseguíamos mantê-los sob
controle.
Eu, que à época era muito inexperiente, cheguei até a acreditar em
muitos que achava serem honestos e que, depois, foram se desmascarando com o tempo,
muitas vezes passando por cima de mim ou de outros.
Mas, no geral, fizemos grandes amizades com pessoas de extremo
caráter e preparo técnico e intelectual.
Na verdade, todos ali eram muito
preparados. Ocorre que, como diz meu irmão mais velho, “o contrário do ótimo é
o péssimo”. E, como eu disse, tínhamos que conviver com alguns péssimos.
Nesta dinâmica, fomos vivendo e lutando, um dia após o outro.
Ocorre que, um dia, fomos convocados para a Convenção Geral do
Partido, que se deu em São Paulo capital. E lá fomos como delegados nacionais
do partido. Uma festa enorme, onde, mal sabíamos nós, seríamos os palhaços.
Lá chegando, logo nos envolvemos em grupos temáticos para discutir
questões específicas políticas, eleitorais, sociais, administrativas. Tudo como
deveria ser. E com o passar do dia, discursos inflamados foram feitos, diversas
manifestações ganharam espaço e debates acalorados se travaram. Tudo como
deveria acontecer em um encontro político.
Por fim, a Assembleia Geral
decidiu lançar candidatura própria para as eleições presidenciais que
viriam (era o ano de 1993). Nosso nome seria Fernando Henrique Cardoso. Foi
decidido que seria chapa puro sangue, ou, se necessário, haveria uma coligação
com algum partido que tivesse identidade programática conosco, e à época tal
partido era o PT (pasmem!!!). O PSDB era um partido de esquerda moderada. Um
partido de quadros extremamente preparados. Um partido de elite. Um partido que
nos orgulhávamos em fazer parte por sabermos que existia uma boa coerência
interna (a possível, claro). E ao final do dia, restou isso decidido.
No entanto, no calar da noite, em Brasília, alguns poucos do partido resolveram passar por cima de todos os ideais partidários, de todos os seus
filiados, de todos os seus delegados e de toda a Assembléia Geral do Partido, e
optaram por se coligar ao PFL, partido o qual a grande maioria do PSDB nunca
engoliria à época, com ideologia política e programática completamente diversa à nossa, social democrata.
Nossa decepção, tanto do partido como um todo, quanto na juventude
do partido em particular, foi imensa. E muitos quadros excelentes do partido debandaram pra
outras siglas partidárias.
Nossa juventude perdeu quase todos aqueles que
lutavam sinceramente por um ideal. Os honestos, os probos, os de bom caráter.
Lembro-me
como se fosse ontem o que sentimos, primeiro por ter que engolir aquilo,
depois, por ter que ver pessoas geniais desistindo de seus caminhos, largando o
partido à sorte daqueles que passamos tanto tempo refreando.
E no fim deu no que deu. O partido foi tomado à época por fisiologistas,
interesseiros, aproveitadores, oportunistas.
E lembro-me agora de uma máxima estampada no Blog de meu pai: “O mal
triunfa quando os bons se omitem.”
A excelente juventude do partido desmoronou. E vários que poderiam
agora estar ocupando lugares de destaque na política nacional, guiando com
competência e honestidade os rumos de nossa nação, simplesmente seguiram outras
vidas, deixando vago o seu espaço para outros despreparados e mal intencionados
ocuparem.
Eu me considero um desses. Um dos desistentes. Um dos que abandonou
a sua trincheira por nojo do que estava acontecendo, por vergonha de participar
daquilo, por medo de se tornar um deles.
Por necessidade de fugir para algum
lugar onde nossos valores fossem bem recepcionados.
E eu só me lembrava de meu avô, que tinha por tantas vezes me dito
que política não era lugar de gente séria.
E desse ponto em diante passei um bom tempo fugindo. Tentando
encontrar algum lugar onde não existissem mal-caráteres, onde não existissem
bandidos, cretinos, falsos, onde existissem apenas pessoas sérias.
E sabem o que eu descobri?
Simplesmente esse lugar não existe.
Descobri que, infelizmente, meu avô, que tanto admiro, e a quem
tanto devo, sobretudo meu caráter, meus valores cristãos, minha honestidade e
seriedade, estava neste ponto equivocado. Ele tinha suas razões, seus traumas,
seus motivos para querer me proteger desse mundo traiçoeiro da política.
Mas simplesmente não podemos apenas fugir. Pois aonde quer que
formos, sempre existirão aqueles que tornarão sua vida um inferno. Sempre
existirão os bandidos que lhe roubarão a paz, que lhe roubarão a justiça, que
lhe roubarão seus ideais, sua vontade, sua vida e, o pior de tudo, lhe roubarão
sua dignidade.
E em um momento eu cansei de fugir. Cansei de tentar fazer a minha
parte apenas em relação à minha família. Não posso colocá-la dentro de uma
espaçonave e levá-la a outro universo mais sério, mais honesto, mais probo. Não
posso protegê-la o tempo todo de todo o mal que nos cerca. Tentei e ainda tento
fazer a minha parte em relação a todos ao meu redor para buscar um mundo melhor
para mim, para meus filhos, para todos aqueles que buscam o mesmo.
E acredito que uma das melhores respostas para a pergunta formulada – “por
quê alguém sério entraria para a política?” – se encontra nas seguintes palavras de
Eduardo Alves da Costa, de um poema seu intitulado "No caminho com Maiakóvski":
"[...] Na primeira
noite eles se aproximam
e roubam
uma flor
do nosso
jardim.
E não
dizemos nada.
Na segunda
noite, já não se escondem;
pisam as
flores,
matam nosso
cão,
e não
dizemos nada.
Até que um
dia,
o mais
frágil deles
entra
sozinho em nossa casa,
rouba-nos a
luz, e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos
a voz da garganta.
E já não
podemos dizer nada. [...]"
Ainda hoje escuto de meu pai: "Meu filho, a política não é lugar para gente séria".
Sei bem tudo o que ele já enfrentou na política lutando pelo que acreditava. E que ele precisa muito me proteger.
Sei bem tudo o que ele já enfrentou na política lutando pelo que acreditava. E que ele precisa muito me proteger.
Mas agora sei também o que ele já sabia muito bem desde antes de eu nascer:
Que o mal triunfa quando os bons se omitem!
* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.
Facebook: edson.vidigal.36
e-mail: edsontravassosvidigal@gmail.com
Blog: edsontravassosvidigal.blogspot.com.br
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